quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Bebi.

Estava sozinha em casa e bebi.

Fumei. 

Estava sozinha em casa e fumei.

Não fodi.

Estava sozinha em casa e não fodi porque não estavas lá. Mas eu queria. 

Então escrevi.

Estava sozinha em casa e escrevi.

Acho que é a isto que sabe a solidão. 

Ou a liberdade.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

então eu estava
sentada no rebordo de lioz da
igreja de santo estêvão
como nos fados e
estava com fadistas
e o menino bonito da camisa
de outra vida
afinava a guitarra que foi portuguesa noutra vida
então o menino da viola estava a beber super bock talvez fosse sagres
e os fadistas levantaram-se e cantaram
fado
o céu caiu lá de cima por saber que ninguém queria saber
dele
então eu tinha os pulmões cheios do fumo da erva
e de estrelas também porque o céu caiu lá de cima
dentro do meu peito saiam cordas de lâmpadas de natal
fora do meu peito a cidade gritava
e os estrangeiros foram parando
eram três da manhã e eles riam e choravam
os fadistas gritavam
eu grito agora
vês
nem precisei de pensar em ti hoje
nem precisei de escrever agora sobre o meu medo de não te ter mais nas mãos
nem precisei de dizer que o teu tempo me apagou as estrelas caídas
nem preciso vês
o fadista agora chamou
a estrangeira e disse larga o telemóvel
que a vida está a acontecer aqui.

domingo, 25 de agosto de 2019

Quero contar-te todo o ar que me tocou desde que me despedi de ti na última vez. Continuo sem saber assobiar e ainda gostaria de morrer atropelada por um camião do lixo cor de rosa. À noite, as minhas mãos cheiram a creme e ainda tenho ventos de perfume no cabelo. Há uns meses caí no chão e desde aí que não há um dia que não me dê um pontapé. Fiquei à espera que me ensinasses a andar de bicicleta. Às vezes digo alto o quanto gosto dos teus olhos e envergonho-me. Imagino muitas vezes como seria acordar a olhar para eles, que cheiro pregarias aos meus lençóis novos. Quero contar-te que comecei a escrever poemas mas não te vou contar que já os escrevi para ti porque continuo a ter vergonha do teu sorriso. Deixei de acreditar em fadas e na felicidade e em nós e não desminto que isto possa estar tudo relacionado. No dia em que perdi o controlo, em que te mandei a mensagem de que falava ali em baixo, não consegui comer. Não gostei da tua resposta, não percebo se estes cinco anos passaram para ti como passaram para mim, no sufoco cego da saudade. Não encontro as cartas que me escreveste. Quero contar-te que sou crescida, agora, que estou bem. Que não creio em nada, só no amor e nas palavras, que para mim são a mesma coisa e que há noites em que essa mesma coisa és tu. Se calhar estou bêbada.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

já não tenho idade para nada, muito menos para isto, fazes a idade escorrer-me pelos cabelos há quase quinze anos. há quase quinze anos que me tiraste cada grão de areia desta praia e cada grama de sal deste mar e cada aresta morna destas rochas. tiraste ou atiraste, nem sei, eram nossos, ainda são? e sempre que aqui venho penso que invocas os deuses em mim. nem sequer sei o que isto é mas também sei que é a mais pura das verdades, não chegando ainda a ser amor, não agora, mas já foi ainda é? continuas a ser a única constante no fundo do meu estômago, o único que fez dele o que quis, com tantas voltas que lhe deu, sem querer saber se eu tinha outro em casa, eras assim um arrastão de vento quente, ainda és? ainda és porque aqui tudo cheira a ti, tudo sabe a ti, tudo soa aos dedos das tuas mãos nas minhas, às escondidas, às revelias da vida. quero-te na minha cama, ainda queres? hoje acordei e amarrei os braços atrás das costas porque foi um esforço titânico não te enviar, depois de cinco anos, olá, onde é que estás? 

quarta-feira, 26 de junho de 2019


Imagino que é de noite e que estamos deitados no chão da cidade que estremece em sussurros.
Imagino a ausência de palavras que nos fica pela saliva, fica a dançar-nos na beira dos lábios quentes.
Imagino os nossos olhos petrificados pelas estrelas, o ar congelado em cima de nós, sentado em cima do nosso peito. Singular.
Imagino que me estás a escrever dentro de ti. Estás a voar nos meus cabelos espalhados pela calçada, no cheiro que trago ao pescoço, na minha boca tão pronta que nem a pintei de sangue, nos estilhaços que sou e que tento colar com poemas. Estás a ver-me fumar de olhos fechados e a saber que só paro de me atirar quando o meu corpo chegar às rochas, quando estiver tão quebrado como eu. Estás a ver-me cair e cais comigo, caímos juntos, meu bem, caímos sempre juntos.
Imagino isto porque imagino que ao teu lado, a tocar-te ao de leve na pele, ao de leve, ao de leve, eu faço o mesmo, imagino. Escrevo-te dentro de mim sempre que te vejo, sempre que caio para dentro dos teus olhos e caio mais depressa e tu cais comigo, caímos juntos, meu bem, caímos sempre juntos.

terça-feira, 25 de junho de 2019

queria escrever sobre a ternura da média luz mas só sei dizer

há noites que são de seda.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

hoje quis escrever, mas não deu. quis falar, mas também não deu - nunca dá, aqui, agora. li pedaços do Belo e senti-me pequenina. sentei-me lá fora, o chão gelou e o céu parou, sufocante e negativo, com os egoístas pontos de luz que só brilham longe.
tenho o coração cheio de penas. se calhar não tenho coração. mas tenho dedos e esses souberam de cor um maço de cigarros fumados ao tutano. se calhar já não quero estar aqui.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

tudo o que é especialmente bonito agora não era especialmente nada antes. a marca de batom na chávena de chá. os joelhos moídos. a manta a desfazer-se.
é isso, antes era tudo especialmente nada. os nadas eram isso mesmo porque havia um maior, havia uma coisa e um centro - se não fosse centro era moldura, mas que se foda o que era porque o que importa é que estava lá e o verbo "existir" não se conjugava no passado.
quando se muda o tempo - acrescenta-se-lhe uma ausência ou três ou todas - têm de se mudar as vontades. agora olha-se para os nadas que são os mais bonitos de todos. a marca de batom na chávena de chá. os joelhos moídos. a manta a desfazer-se. imortaliza-se, imprime-se nos neurónios, revela-se no coração.
quando não se tem um tudo, o nada é mais bonito. perdoem-me a repetição, mas não há sinónimos para verdades absolutas.
estar sozinha é uma sem-vergonhice de detalhes. vê-se a vida como um filme porque há que manter um romantismo ou dois. o fumo sai da caneca em câmara lenta e o ato de estar deitada na cama durante mais de 24 horas é uma espécie de timelapse demoníaco cuja banda sonora é uma filha da puta de um sentimento de culpa.
nem tudo é trágico, claro. há uma certa leveza em não ter de cortar as unhas dos pés quando atingem um tamanho indecente. ou em beber uma garrafa de douro em menos tempo que o socialmente aceitável. ou em não ter testemunhas quando se ignora deliberadamente uma chamada.

não ter ninguém para amar é um jorro de palavras de cinza. coisa nenhuma faz demasiado sentido e andar às aranhas é a única forma de desfilar. escrever é a única maneira de respirar. tudo o resto é tempo. marca de batom na chávena de chá. joelhos moídos. manta a desfazer-se.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

olha, olá. vi-te agora a bater os bifes lá ao fundo, na cozinha, como se o destino da humanidade dependesse da carne macia e percebi que te quero em todas as vidas.