terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Todas as horas perdidas a perguntar se ainda existo em ti.
Se ainda há linhas do mundo que queríamos ver de mochila, se ainda corres comigo as avenidas de Paris ou as ruas do Porto ou os abraços de Lisboa.
Se ainda me ouves nos filmes ou lês nas músicas. Se ainda me tocas quando fechas os olhos. Se ainda não perdeste tudo, se foi em vão. Se te lembras, sequer.
Sei que não, sinto que não, dizes que não, mas continuo a insistir até gostar da resposta.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Estavas febril, com todas as certezas da impossibilidade que arrastavas sozinha.
Foi depois da maior noite do ano, quando os dias começaram a encerrar mais tarde para nos dizer que tínhamos todo o tempo do mundo.
Não os ouvimos e tínhamos razão. Não dormimos naquelas horas à porta fechada onde desenterrámos o machado e começámos a luta de uma vida.
Era frio mas estava quente. Havia luz mas não víamos nada - só aquele precipício para onde não hesitámos correr de mãos dadas sem paraquedas nem precaução.
Pintaste-me a ausência e falaste-me na saudade sem saberes que era só com ela que eu ia ficar.
Assinámos contrato sem termo com o amor feroz que nunca foi gritado em vão. Deixaram de existir ânimos leves, tal como deixaram de existir palavras.
Nunca me tinham faltado as palavras antes de ti. Carregaste-as, como me carregaste a alma. Ao menos as palavras eu consegui recuperar.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Era janeiro. Disse-lhe que não, com as amarras da cobardia ao pescoço.
Disse-lhe que não tinha força, que era demais. Procurou na gaveta os argumentos que sabia não ter e despediu-se de cabeça baixa, pesada pela vergonha que carrega a falta de coragem.
Ela levantou-se e foi-se embora. Não gritou nem morreu - foi-se só embora com a dor do silêncio.
Os relógios reformaram-se para desfibrilhar o amor. Saiu dali quando a noite caía e quando ela já ia longe e correu com o rio dado à mão direita.
Correu até os pulmões colapsarem, até lhe conseguir agarrar o braço, até lhe sentir a boca, até lhe prometer a eternidade.

Para quê?
Estava frio e as páginas rasgavam as mãos.
Era linda a Lisboa que lavava em lágrimas as memórias de cartão.
Falavam das janelas para as ruas vazias, para as pedras molhadas, sobre os tribunais do amor e os carrascos da esperança.
Cruzavam os braços junto ao peito. Aconchegavam o casaco. Riam-se porque o gelo lhes dá força - elas, as memórias de cartão que não sabem o que é justiça e sufocam o que é viver.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Acordei à beira do abismo, sem noção do impossível. Tinha o sangue nos ouvidos, a agonia nos pulsos, a sede nos olhos. Quis saltar, sem sequer saber se estarias lá em baixo, se darias um passo atrás quando me visses cair.
Foi assim que percebi que tinha de desistir, de abrir mão, de fechar perpetuamente o peito em ferida.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Luzes apagadas. Coração na boca. Mãos no peito. Relógios fechados. Horas vazias. As noites escorriam mais depressa que nós, que olhávamos para o teto com a alma nas histórias maiores que o tempo. Com todos os contos que nos amaram naquela cama de criança. Saudades demais. Vidas inteiras. Segundos pequenos. Luzes apagadas.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014


Estavas ali, naquele pedaço de tempo perdido nos espaços - não, contigo nunca o contrário. És os tempos e as máquinas das noites da memória fria.

És sempre os minutos de ontem, de há anos. És sempre no pretérito. És sempre no imperfeito das coisas e das falas. És sempre nas palavras repetidas - sei sempre o que te dizer, a todas as horas e a todos os dias que não são meus.

Deixa-me escrever quando não ouves e falar quando fechas os olhos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Passam todos por nós, os anos. Passam rudes, passam feios, passam com armas e com bagagens. Passam com muros, passam dormentes, passam grandes e fortes e cheios.
Passam de olhos fechados. Passam sem ver, do alto da sua arrogância, que nós não passamos por eles.
Estávamos num autocarro de mão dada. Estávamos num carro à minha porta. Estávamos num concerto aos encontrões. Estávamos longe e estávamos perto. Estávamos nas letras e no peito. Estávamos sempre. Estávamos na vida toda, meu amor. Estávamos na vida toda.



Parabéns, B.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Estou assim desde que o Atlântico nasceu, desde que me lembro. De olhos fechados e cheios de pesadelos onde ainda tenho os ritmos da tua voz e o cheiro da tua pele, onde ainda me deito nos teus cabelos e fecho a mão com o coração lá dentro. Os pesadelos de hoje que são a realidade de ontem. 

Espero que a vida me deixe. Que as mãos não me sintam. Que o corpo não me doa. Até lá, peço-te só que me deixes quebrar as promessas porque as palavras que para ti não são nada são tudo o que me faz acordar.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Desliga-me o cronómetro deste tempo que não passa. É absurdo que os beijos morram na praia e as vozes se afoguem neste rio de dias que apagámos do calendário.

E esta justiça, também. Que não pede tradução. Só pede licença e escusa-se de entrar. Chega quando quer, desaparece sem quando nem onde. São negócios da China, estes onde nos enterramos até ao pescoço.

Que se foda, está tudo bem.

Nós aqui. No meio do nada. E eu aqui, sem cadernos para escrever.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

d'outono

É das coisas bonitas de outono. Bonitas e leves e frias. De lá longe, do que não é amor e entra sem pedir. De uma terra cheia de almas vazias. Mas é do outono - só pode ser do outono - de que se riem os sonhos e se semeia a insanidade.
Foge-se ao vulgo. E sentem-se as trovoadas no estômago, as tempestades no rosto e as nuvens no peito. Cheira a novo - respira-se de novo - e enterram-se os machados. Obrigada por me reacenderes o fôlego, por me distraíres da luz apagada, por me ocupares a noite. És uma coisa bonita de outono.

sábado, 1 de novembro de 2014

Quando o tumulto pára, és sem chegar. Falas sem ruído. Existes sem nome. Quem me dera ser como eles, os leves de espírito e pobres de dor, os de coração parado e os que dão a mão ao nada. Quem me dera que o que me enche a alma morresse, também. Quem me dera que os becos tivessem saída e que os unicórnios fossem reais e que as palavras fossem ditas. Mas há coisas que não (me) acontecem. Tu não (me) aconteces.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Ler-te nas páginas todas e escrever-te até a insónia me acordar. Estou cansada das noites brancas e desta apneia que não me deixa ver nada que não sejas tu. Já chega. Por favor, já chega.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

As saudades são uma coisa feia. Não respiram pelo grande, pelo nobre, pelo vasto. Prendem-se ao pequenino e ao irrisório num jogo fútil em que o poder está do lado de quem não gosta mais. São picuinhas e são sujas. E subsistem desgraçadamente nos acessórios. Como a forma de pegar na garrafa de cerveja. Ou a maneira estúpida de fumar. Ou o jeito de despentear o cabelo para não estar demasiado arranjado. Ou a gargalhada doce. Ou a cara emaranhada de criança. Ou os olhos inchados das lágrimas que doíam mais que as minhas. Ou os caminhos perdidos. Ou o cheiro das mãos. Ou o conceito de casa. Ou as músicas que deixaram de ter seis minutos e quarenta e três segundos para durarem uma vida inteira.


domingo, 5 de outubro de 2014


(Paris, 1 de outubro)

Deixei a vida no quarto. Trouxe o vinho e os cigarros e o papel e a caneta. Deixei-te lá também porque hoje não quero pesadelos.
O chão está encharcado e a alma está cheia. A rua está morta e já não sei se é ela que se ri para mim sou se as palavras escritas fazem eco.
Lá vêm as insónias, com os tanques de guerra carregados. Lá vem a noite branca da chuva demitida, da loucura aplaudida, da cidade que me abraça o coração com promessas de brandura temporária. Não faz sentido. E vou-me arrepender disto amanhã.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Lembro-me de querer ter saudades. E lembro-me de, quando me esqueci que trabalhavam melhor que a faca e o sangue e o fogo, encolher os ombros e rir-me, como se fossem uma desculpa frívola para olhos fracos.
Lembro-me que, quando invertemos os espaços e me deste a conhecer o vazio, quis tapá-lo com os álbuns de fotografias onde - achava eu - me tinhas encerrado a alma. Enterrei-me em lágrimas de fumo e em mãos que só queriam ser tocadas pela pele a ferver. Em lábios que não se cansam e em peitos que não sentem nada a não ser a falta. A falta como uma verdade perpétua que não é quebrada pelos beijos nem pelos lençóis nem pelas palavras. A falta que - ao contrário das saudades - não é o princípio de nada. Nem o fim de tudo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

fugas

Fugimos num dia de teto cinzento. Fugimos sem horas marcadas nem promessas escritas. Fugimos sem mapa.
Esquecemos a prisão daquela colina e caímos na terra em que os pássaros nos assobiavam a culpa. Peguei-te na vida e fi-la minha. Levei-te às janelas rasgadas com vista para o Tejo, levei-te às praças de muralhas humanas, levei-te aos antros imaculados que ainda me abraçavam em paz.
Desenhei-te as ruas na palma da mão, só para as esqueceres depois. Mostrei-te a cidade que não era minha. Nem ela, nem tu.

domingo, 14 de setembro de 2014

melhor


Não sei se é o tempo que se cala ou se nos estamos finalmente a rasgar em estilhaços.
Não sei porque é que o peito não dispara se as memórias não são amargas. Não sei de onde é que chegou a indiferença. 
Não sei quando é que os meus olhos se cansaram nem quando é que as minhas mãos deixaram de te querer encontrar.
Não sei como é que as noites deixaram de ser frias, quando é que os dias deixaram de ser feios, quando é que as palavras deixaram de ser tuas.
Nem sei o que fazer se isto me acabar.

sábado, 6 de setembro de 2014

Como hoje

Queria falar-te de dias como hoje. De dias em que o cheiro do silêncio se cortava na água que caía na tua varanda. 
Dias de nada que viam as horas fugir por entre os dedos entrelaçados e que acabavam em suspiros sufocados pelos risos doces.
Queria falar-te de dias como hoje, com as lascas de cinza e o vento aposentado e os corpos cobertos de palavras bonitas. Aquelas que eu amarrei para não voltar a dizer.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

da chuva.

Chegou um rasgo de felicidade quando a chuva começou a sorrir. Um lusco-fusco em que a inconsciência se embaciou com a perda da realidade e as lágrimas já não cantavam como ácido na pele.
Não te sei dizer quanto tempo durou. Nem te sei dizer se as horas se esfumaram ou se os segundos se arrastaram. Não te sei dizer se foram minutos ou uma noite inteira. Tal como não te sei dizer o que preciso de te gritar.
Sei-te dizer que naquela piazza os erros escorreram pelos passeios imaculados. Sei-te dizer que me perdi na alegria insana do esquecimento temporário. Sei-te dizer que me abraçaste os paradoxos como sempre - como d'antes.  Sei-te dizer que são estes segredos infestos que um dia vão acabar comigo.
Não te sei dizer mais nada.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

febril

Estás-me na roupa e estás-me na pele e estás-me nos olhos e estás-me nos lábios. És-me os pesadelos, os desvairos conscientes e os passeios da noção que eu não controlo. Estás-me no peito como uma ferida que não conhece a cura. Estás-me em todas as músicas e todos os filmes e todos os poemas (estás-me na raiz da raiz).

Só quero conhecer um pedaço de mim onde não mores e mudar-me para lá.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

tudo bem.

Está tudo bem.
Ainda que já seja de noite outra vez e nada tenha sido corrompido pelo desejo. Ainda que o sono esteja vazio e os pesadelos cheios. Ainda que a fala se tenha calado e os lençóis se fiquem pelo singular. Ainda que os corpos se queimem pela distância. Ainda que a coragem se fique pela falta.
Está tudo bem.
Tapei-me com o breu e estendi a mão. Ainda estavas lá para a agarrar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

domingo, 10 de agosto de 2014

fragmentos


Reconheceram-se no sal das lágrimas. Enterraram-se nos lençóis. Consumiram-se nos beijos. Queimaram-se na dependência. Riram-se dos vazios. Viram países - e cidades, e aldeias; e barcos e comboios e carros e aviões. Abraçaram-se à distância. Romperam multidões com os olhos. Deram as mãos às escondidas. Destruíram-se de repente. Amaram-se até ao fim.
Mas nada. Nunca nada aos poucos. Nunca nada pela metade.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

E não adiantam.
Nem os fogos de vista nem as tesões passageiras nem os contos de fada de verão.
Tudo menos que tudo é nada.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O custo.

Mas custou.
Meu, se custou.
Porque obrigou-me a parar de escrever - tirou-me o objeto das letras - e deixou-me num vazio do qual ainda não sei sair.
Roubou-me o sentido (agora vou aprender a ser sem ti) e escondeu-me o norte. 
Foi um delírio, eu sei que foi. Arrancado pelo conforto romanceado da facilidade. Ficar no mesmo sítio sempre foi mais fácil.
Mas estou finalmente a falar no tempo verbal certo e a negar as recaídas e a sair da tortura a que gostava de chamar amor.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

do bairro.



Desciam a calçada ao ritmo das memórias.
As princesas, de contos paralelos e fábulas aleatórias, com os passados sujos a rir por entre os becos imundos.
Do Bairro. Onde tatuaram as paredes com os erros que gostaram de cometer. Onde trocaram o consciente pela oportunidade e regatearam o juízo por uma boa história.
Essas histórias que se trocam agora por debaixo de imperiais, em confidências de adolescentes que vivem por amor e que sabem que não há nada melhor que escrever para quem já viveu as mesmas páginas.


terça-feira, 29 de julho de 2014

de parar.


Da beleza da tortura e do conforto da dor.
Do fazer do presente um espelho retrovisor e do futuro um jogo de espera.
Do ouvir os mesmos sons, do ver os mesmos filmes, do dormir o mesmo amor.
Do escrever letras iguais à espera de um resultado diferente, do correr as ruas sem os abraços.
De viver no tempo verbal errado.
Da falta de coragem.
Da violência de parar com isto tudo.
E respirar.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

D'antes.


Hoje não tivemos tempo nem espaço. Lisboa morreu e a noite voou e as vozes calaram-se e os cheiros fecharam-se.
Mas tivemos idade: crescemos na frieza da distância, cimentámos paredes e calcificámos entradas. Desenhámos os mapas no betão e traçámos os dias em que o mundo acaba.
Fizemo-lo de riso entrelaçado, como d'antes, como quando eu era romântica e tu vias nuvens de algodão doce.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

PinaColada.

Entraram de mansinho, com medo de se queimar no fogo que era só de vista.
Tiraram-me as armas. Encheram as estradas que eu corria sozinha.
Não dançavam de propósito: moviam-se ao som da música que lhes saía dos risos e obrigaram-me a entrar no ritmo.
Despiram-me das mágoas com toda a facilidade de quem sabe ser por inteiro e levantaram-me no ar sem sequer perceberem a força dos punhos cerrados.
Levaram-me daqui. Do abismo onde tinha feito casa para saltar as barreiras do lógico e se tornarem na cura que eu nunca teria coragem de lhes pedir.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

estórias.

Gostavam do silêncio das mãos entrelaçadas. Dos gritos dos olhos. Dos beijos das duas almas que viviam para se desassossegar.
Trocavam juras de sangue, na promessa de fazer secar as veias antes de fazer secar o amor. Aprenderam a recitar os poemas, a chorar os filmes, a escrever os livros.
Afundaram-se na explosão dos sentidos. Derrubaram muralhas sem se tentarem emendar.
Fizeram história.


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Escrevi-te.
E, pela primeira vez em muito tempo, quero que me leias. Que me vejas nas palavras e saibas que ainda existo algures.
(Encontra-me).
Espero ter a coragem de te entregar as letras - tanta como tive quando te entreguei o coração - para que este seja o ponto final que a caneta nunca conseguiu fechar.

(...)
Não descanso enquanto não me tiver de volta.

domingo, 13 de julho de 2014

Negro


Na urgência das tardes em que as despedidas foram punhais, em que o rio explodia em barreiras intransponíveis, em que a sede dos beijos não conhecia a morte.
Foi a idade da inocência, quando os risos do coração já não usavam máscaras e os raios selvagens do desejo trespassavam as multidões.
Quando os filmes faziam sentido e a felicidade era um abismo quase tão fundo como a saudade de hoje.
Quando eu quis cair - em ti, em nós - sem perceber que, quando acabasse, nunca mais ia ser capaz de ver outra coisa que não negro.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Diz-me "adeus" quando chegares. Não me deixes falar.
Vira-me as costas antes de perceberes o que te quero dizer - o que tenho de te dizer.
Não ouças o discurso que não consigo escrever. Nem me limpes as lágrimas.
Não olhes para trás enquanto me desfaço - nem queiras saber o quanto te preciso.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Internei-te na minha saudade e esperei que as lâminas de cinza se desfizessem antes de me tocar.
Sentei-me em frente ao mar e cheirei-te o silêncio.
Quebrei-o com as palavras que não lês e o aroma da poesia chegou-me - e cegou-me.

Estiveste ali: por um momento estiveste ali, no verão que será sempre nosso.



quarta-feira, 2 de julho de 2014

Heróis

Heróis são os que ficam.
De espada ensanguentada por esquartejarem as máscaras que sempre se recusaram a usar.
São os que se enjaularam no amor que os rompe, que se afogaram na doença incurável. 
São os que não conhecem a indiferença, os que não sabem o que é a dormência, os que vivem com a presença letal da ausência.
São os que não têm vazio. Os que já não têm sangue e os que já não têm dia.
Porque é preciso muito menos alma para partir do que para ficar e não morrer.

terça-feira, 1 de julho de 2014

A Marquesa

Moviam-se na coreografia ensaiada pelos anos. Dançavam-na na perfeição.
À mesa o amor não morava nas juras, não morava nos poemas, não morava no ardor.
O amor morava na madeira do jardim e no espelho da água e no açúcar dos gestos.
O amor do Marquês e da Marquesa morava no espaço e no tempo: nunca nos "ondes" e "quandos", nunca nos "aquis" ou nos "agoras".
O amor fez do "sempre" a morada permanente.

de resto.

Tenho-te nas impressões digitais.
De quando me tocaste a memória.
De quando a fizeste tua.
De quando foste tudo o que me resta.
De quando eu não era só um resto.

domingo, 29 de junho de 2014

glaciar.

Apaguei-te a luz.
Sufoquei-me com o calor quando tudo o que queria voltar a sentir eram as mãos geladas que me acalmaram a febre, naquela noite intermitente à porta trancada.
Consegui fechar-te tão facilmente que me alimentei do espanto.

E agora só escrevo para me convencer que não fomos em vão.




sexta-feira, 27 de junho de 2014


Talvez com a esperança vã de conseguir mudar o desenlace que já escrevemos ou com o desejo incontrolável de matar o silêncio perpétuo. 

(quero apunhalar todas as cartas que não me deixam dormir).

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Libertinagem

Que se lixe a liberdade quando as correntes do vício sabem tão bem.
Algemados a cadeiras de carne, sorrimos quando a destruição se torna real, quando as veias se dilatam e o coração explode, quando a dor quase que mata.
Agarrados ao ciclo, com desdém de quem usa lentes cor-de-rosa e máscaras de sorriso. Sem respeito por quem não sabe o que são insónias ou pesadelos ou lágrimas.
Dependentes da saudade porque sabemos que nunca vamos chegar ao futuro.

quarta-feira, 25 de junho de 2014


Menti-me quando gritei que sabes a pouco.
Podemos matar o tempo?

Putos.

Brincávamos com o "Era uma vez".
Na inconsciência abençoada deitávamos tudo ao ar e espalhávamos o que somos - o que fomos - em cima da mesa.
E vivíamos. Como se o amanhã fosse uma miragem, como se o futuro fosse ontem, como se cada átomo se esfumasse se o amor morresse.
O amor (sempre a merda do amor) que nem sequer se dignava a não ser cruel, que jogava com as lágrimas e se tornava no Monopólio que não conseguíamos ganhar.
E o quanto adorávamos. Aquelas partidas de desgosto e faz de conta, aquela falta de noção mascarada de juventude, aquele desespero que gritava


"Por favor, parte-me o coração".

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Caderneta de cromos

Folheei-te a caderneta; vi que era igual à minha.
Quase como se fôssemos putos - com uma ânsia sôfrega de significar uma coleção de vazios.
São páginas e páginas de corações partidos e nenhum deles se quer colar.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

em ácidos.

Quando pensei que tinha saudades de casa fizeste-me beber-te.
- Foste o ácido com que eu mais gostei de me queimar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Indiferença.


Foi de lançar as mãos ao céu. De gritar ao desespero. De amaldiçoar a crença.
Esmurrar o hoje para sentir o agora. Declarar guerra à indiferença. Intoxicar a dormência. Beber para lembrar. Magoar para respirar.
Fazer de tudo para sentir e acabar num nada ainda maior - naquele que seria o meu pesadelo se eu conseguisse finalmente dormir.

domingo, 15 de junho de 2014

E depois morri no degredo da implosão.
(Quando chegares traz-me de volta).

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Lembras-te de quando não respirávamos? De quando a noite nos mostrava os medos e os pesadelos éramos nós?
Lembras-te de quando não dormíamos? De quando a claridade chegava cedo demais e a realidade estupidificava as facas lançadas entre os beijos?
Lembras-te de quando não vivíamos? De quando nos tapávamos com a dor e nos consumíamos e nos destruíamos?

Lembras-te do quanto eu gostava?

Aeroporto

Quando as gargalhadas eram convulsões. Quando os olhos não estavam mortos. Quando a felicidade se bebia. Quando a saudade não voava. Quando o medo não ardia. Quando os dias não sangravam. Quando a dor se enterrava. Quando ela estava aqui.
Volta já.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Quando voltei a pegar no caderno que já não me conhecia o toque, escrevi até a mão sangrar.
Foi preciso que os olhos morressem e que o pulso cessasse para que as veias me escorressem tinta.
Foi preciso que as janelas se apagassem, que os cigarros se queimassem, que as vontades que fossem; foi preciso querer não existir para que as letras voltassem a ser o ar que não quero respirar.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Quando vieres

Diz-me o que sou, com esse teu jeito de acertar no erro.
Traz-me os beijos envenenados pelo ontem que nunca te acabou.
Conta-me os desejos repetidos, as vontades dos corpos e os tormentos das distâncias.
Fala-me das portas que tens escancaradas, das mentiras que tens concretizadas, das juras que morrerás antes de cumprir.
Lembra-me dos nossos anos roubados, dos desencontros planeados, das noites em que o mar nos fechou.
Mostra-me o teu fim porque já conheces o meu.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Pretérito Imperfeito

Éramos trapos.
Desfeitos e inúteis e sem fim. Sem rótulos e sem prazos de validade. Sem luz e sem sossego.
Éramos sujos. Sem mundo e sem morada. Sem rumo e sem sentido. Sem direito e sem propósito.
Éramos pretérito imperfeito. Sem nascer e sem ser e sem morrer.
Éramos nada e éramos velhos e éramos condenados e éramos uma frase que nunca conheceu pontuação.

Éramos.

domingo, 8 de junho de 2014

Entre-tantos


Enquanto lhe rasgava a pele. Lhe esfolava a alma.

Sem nunca lhe tocar.

Terapia.


Precisava de te beber o cinzento, de te ouvir o frio, de te cheirar a terra encharcada. Precisava de te injetar nas veias mortas e de te chorar a distância. Precisava de te ver as gentes, de te tocar as casas, de te sentir na dormência onde durmo agora.

Mogwai


Até que a vida se esvaiu em noite e o pulso se apagou.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Se.

Se eu soubesse não tinha subido a rua, não tinha rido da calçada, não tinha olhado para a cidade.
Se eu soubesse tinha-te fechado a porta e tinha-te fechado as mãos e tinha-te fechado a alma.

Mas fechei-te só os olhos e pedi-te para ficar.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Terminal

Vais fazer o céu fugir e a Terra desabar.Vais sugar o ar e abrir-me o chão.Vais dar-me um murro no estômago sem fazer curativo. Vais fingir que não é nada e acenar com um abraço finito. Vais matar as cartas e apagar com ácido o código postal. Vais fazer promessas.

Vais.

Não vás.

domingo, 25 de maio de 2014

tic. tac.

Foste o tempo que morreu no relógio e o presente de que o futuro não se vai lembrar.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Anulação.


[Baleal, julho de 2012]

Descomplicas-me. Calas-me quando te falo em dor e anulas-me. Pedi-te que me ferisses e riste-te do absurdo. A miséria não era para ti e eu fiquei com ela toda.